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Arquitetos: Estúdio Módulo
- Área: 7917 m²
- Ano: 2019
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Fotografias:Nelson Kon
Descrição enviada pela equipe de projeto. A construção foi tão célere quanto a de um galpão. Os materiais também não diferem tanto dos empregados em qualquer edificação industrial. Entretanto, é visível que o Ágora em nada se assemelha à trivialidade das edificações fabris de logística recorrentemente encontradas às margens das rodovias brasileiras. O Estúdio Módulo partiu do pressuposto de que a qualidade de um projeto não provém do uso de materiais especiais e caros. Os arquitetos Marcus Vinicius Damon, Guilherme Bravin e Andressa Diniz fazem uso de elementos construtivos pré-fabricados usualmente presentes em catálogos de empresas do mercado da construção civil nacional. Também não concebem rebuscados detalhes pensados especificamente para o edifício, cuja execução demandaria mão de obra muito especializada ou feitura quase artesanal no canteiro.
Portanto, no Ágora, o Estúdio Módulo colocou-se na contramão daqueles arquitetos que, por vezes, têm o entendimento de seu trabalho como um labor épico no qual cada milímetro necessita ser desenhado. A tectônica no Ágora corporifica-se com itens da lógica industrial de produção em larga escala. Os autores apropriam-se desse modelo também no raciocínio projetual fundamentado na criação de sistemas. Em virtude dessa ode ao pragmatismo, o edifício em Joinville pôde ser construído entre agosto de 2018 e 28 de março de 2019, data da sua abertura. Mais do que a velocidade chinesa na construção, provou-se que, a partir da correta seleção e agenciamento de materiais pré-fabricados, é possível conceber formas e espaços arquitetônicos interessantes.
A fachada principal já, por si, é didática ao revelar o eixo gerador e articulador de todo o projeto: o espaço central com pé-direito triplo apresenta-se aos olhos como um pórtico de início para o complexo Ágora Park, cujo masterplan também é de autoria do Estúdio Módulo. As ásperas placas do piso da esplanada de 50 metros de comprimento adentram o núcleo do edifício, impelindo o visitante a entrar. Não há distinções no chão entre o dentro e o fora, nem há barreiras para acessar o grande espaço coberto, porém ao ar livre. É o vazio central que integra todos os pavimentos e para onde convergem todas as atividades do prédio. Reúnem-se ali as funções de acesso, circulação, estar e encontros públicos – ou seja, numa relação metonímica, esta é a ágora em si do projeto. As proporções desse espaço estão entre as de uma praça e de uma rua, mas, neste aspecto, a analogia mais próxima seria com as galerias francesas e italianas do século 19 – como a Vittorio Emanuele II de Milão e a Umberto I de Nápoles. Tal como nesses edifícios paradigmáticos, a grandiosidade do ambiente central do Ágora suscita um certo ar cerimonioso no momento de entrada do visitante.
Contudo, tal caráter não diminui a vivacidade do espaço: é um ambiente de confluência das pessoas indo e vindo. Qualquer um a se encaminhar ao seu posto de trabalho deve passar pelo núcleo que concentra as escadas, os corredores no sentido longitudinal, as passarelas transversais de conexão. Estas últimas mencionadas interligam os dois blocos de atividades do edifício: o menor é mais compartimentado e repleto de ambientes pequenos como salas de reunião, copas, sanitários, escada e elevadores; o maior é uma planta livre para receber escritórios, com divisionamento de salas e layout independentes da estrutura.
Enquanto os dois pavimentos superiores seguem uma plena ortogonalidade, o térreo contém uma planta que combina ambientes mais diversos e heterogêneos. Do lado maior, há a praça de alimentação e o auditório. Na praça, dois restaurantes e um café são envoltos por dezenas de mesas de refeição e recintos de estar – o ambiente é circundado com vidro que garante a plena transparência com o exterior. Por sua vez, o auditório tem um palco elisabetano e 200 lugares na plateia. As divisórias do fundo da sala (isto é, por trás das cadeiras) são móveis e, quando recolhidas, fazem com que o foyer fique plenamente integrado ao espaço de apresentações. Ainda no rés do chão, mas no flanco oposto ao eixo central, estão o ambiente de coworking, três salas modulares para reuniões (integráveis dependendo da ocasião) e a administração.
O fundo dessa sequência de recintos é marcado pelo espelho d’água de curvilíneo contorno, cujos seixos e altura do líquido fazem homenagem ao projeto de Mies van der Rohe para o Pavilhão Alemão de 1929, em Barcelona. Esse plano de água exacerba e evidencia uma característica presente em todo o térreo: neste nível, a edificação expande-se para além dos limites do perímetro dos andares superiores. Na descompatibilização de plantas, provê-se o devido destaque aos dois volumes superiores integrados no plano de cobertura, sem que isso tenha implicado a rarefação da ocupação próxima ao solo – o que ocorreria caso, por exemplo, fossem utilizados pilotis. O resultado é uma maior dinâmica formal com a conjugação da ortogonalidade acima com a heterogeneidade e a expansividade volumétricas abaixo.
Retornemos à avaliação dos materiais. A estrutura primária é composta por peças pré-moldadas de concreto aparente – produzidas pela própria empresa contratante. Em contraste estão somente as passarelas e escadas de estrutura metálica no espaço nuclear. Os fechamentos externos contêm sutis distinções a ressaltar as diferenças volumétricas apontadas anteriormente: no térreo, emprega-se telha ondulada opaca em tom cinza escuro; nos andares acima, utilizam-se painéis (de um aglomerado de compostos cimentícios e de madeira) de cor cinza claro.
No interior, a madeira é encontrada em pisos e tetos de corredores e passarelas, de modo a destacar as circulações. Algumas poucas divisórias internas são em drywall de cor grafite. Todavia, é preciso ressaltar que, nos divisionamentos internos e na relação com o exterior, o que predomina é a transparência. Na fachada principal prepondera o vidro estruturado em escuros caixilhos a ressaltar a modulação. Por sua vez, nas fachadas laterais, planos de telha ondulada perfurada fazem a mediação entre interior e exterior. A justificativa técnica, obviamente, é o controle da entrada de luz solar. Porém, é necessário notar que o índice de perfuração do material dessa pele metálica não interfere na relação visual com o exterior do ponto de vista de quem está sentado nos postos de trabalho.
Esse envelopamento ocorre de maneira não integral: os planos laterais contêm um desenho com recortes que marcam e hierarquizam os espaços internos – as áreas de circulação com corredores e escadas têm a transparência literal. Assim, essas subtrações dão externamente indícios ao visitante de como é o funcionamento interno do edifício: por trás da pele está a privacidade das áreas de escritório, já os recortes revelam os ambientes mais públicos. As translúcidas faces laterais ligam-se visualmente por meio da cobertura, de modo a formar um conjunto único – um grande abrigo. O imenso teto é de estrutura metálica, que, no núcleo principal do edifício, converte-se em shed industrial com fechamentos em policarbonato alveolar, de modo a permitir a iluminação natural do importante ambiente. Tanto o eixo central quanto as fenestrações em todas as fachadas são pensadas como enquadramentos da exuberante paisagem catarinense que circunda o complexo Ágora. O núcleo tem a natureza como pano de fundo. O deslocamento pelos corredores e escadas sempre tem como ponto focal o contexto verde do lado de fora. A vivência interna no Ágora é permanentemente informada pelas vistas do exterior, especialmente para a Mata Atlântica preservada. O estar dentro do edifício permanentemente incita a olhar para o horizonte, para além do domínio do projeto arquitetônico.